Um grande estudo realizado por uma equipe internacional de pesquisadores concluiu que alguns dos tipos de pesticidas mais utilizados atualmente representam uma grande ameaça para os ecossistemas e a biodiversidade. A primeira parte da pesquisa, que será publicada em série, foi divulgada nesta terça-feira no periódico Environmental Science and Pollution Research, com alguns dos principais resultados. Trinta cientistas fizeram parte da iniciativa, que analisou mais 800 artigos publicados nas últimas duas décadas sobre o assunto.
O estudo tem como alvo os neonicotinoides e o fipronil, pesticidas sistêmicos (são absorvidos por todas as partes da planta) que juntos representam cerca de um terço do mercado mundial desse tipo de produto. Seu principal uso é no controle de insetos em plantações, mas eles também são utilizados para afastar pragas em animais e pestes em residências.
Apesar de os pesticidas serem empregados na agricultura há décadas, os pesquisadores descreveram a situação atual como “sem precedentes”, e recomendam que as autoridades intensifiquem a legislação para restringir o uso desses produtos. Os neonicotinoides ficaram conhecidos pela suspeita de que estariam afetando as abelhas. Ele é apontado como uma das principais causas da síndrome do colapso da colônia (CCD), fenômeno que faz as abelhas literalmente desaparecerem de suas colmeias, o que intriga os pesquisadores.
As suspeitas levaram a União Europeia a banir, a partir de julho de 2013, o uso dos neonicotinoides de algumas culturas por um período de dois anos, apesar dos protestos de produtores agrícolas e de multinacionais químicas e agroalimentícias. No Brasil, tanto os neonicotinoides quanto o fipronil são permitidos. Para Dave Goulson, pesquisador da Universidade de Sussex, na Grã-Bretanha, e um dos autores do estudo, a suspeita se confirma. “Existem outros fatores envolvidos no desaparecimento das abelhas, mas eu diria que é evidente que os neonicotinoides estão afetando as populações, e são importantes contribuintes de seu declínio”, disse o pesquisador ao site de VEJA.
Os cientistas constataram que as abelhas constituem o grupo mais estudado em relação aos efeitos nocivos desses pesticidas. Segundo os autores, as consequências da aplicação dessas substâncias são mais amplas — e pouco abordadas. Contaminação — O fato de esses pesticidas permanecerem no ambiente por meses ou até anos após a sua aplicação e sua grande solubilidade na água possibilitaram que eles se espalhassem pelo solo, pela água e, consequentemente, até mesmo pelas plantas que não são diretamente tratadas com esses produtos. Assim, muitas espécies animais que não são o alvo dos agrotóxicos acabam se contaminando de forma indireta.
Segundo os pesquisadores, os testes feitos em laboratório ou no campo demonstram que mesmo o uso dentro dos limites da legislação resultam em níveis elevados de contaminação ambiental. Também é alvo de críticas a forma como os testes de laboratório feitos para a regulação desses produtos são conduzidos. Eles geralmente avaliam apenas a letalidade da substância, e em curto período de exposição, enquanto outros tipos de efeitos relevantes ecologicamente, como dificuldade em voar, se localizar, procurar comida e crescer, praticamente não são descritos. “Ficou claro que muitos destes testes não são longos o bastante para representar uma exposição crônica, e por isso lhes falta relevância ambiental”, escrevem os autores. Nas concentrações encontradas no meio ambiente, diz o estudo, os neonicotinoides e o fipronil podem exercer efeitos negativos sobre uma grande diversidade de invertebrados, bem como outros animais, em habitats terrestres e aquáticos, afetando sua fisiologia e até mesmo ameaçando sua sobrevivência.
Os autores enfatizam também que muitos aspectos importantes relacionados aos pesticidas não estão sendo abordados pelos estudos. “Quase tão preocupante quanto o que sabemos sobre os neonicotinoides é o que não sabemos”, escrevem os autores. Existem poucos dados sobre os resíduos dessas substâncias presentes no ambiente, e dados de toxicidade a longo termo também são muito limitados. No caso das abelhas, por exemplo, apenas quatro espécies das 25.000 conhecidas pelo mundo foram estudadas, e há pouca pesquisa com outros polinizadores, como borboletas e vespas.
Os organismos que vivem no solo, como as minhocas, também recebem pouca atenção, principalmente levando-se em consideração sua importância para a manutenção da fertilidade. Além disso, a interação dos neonicotinoides e do fipronil com outros pesticidas e fatores ambientais, como doenças e stress, aparecem em poucas pesquisas — mas, quando o fazem, apresentam efeitos de grande relevância. Em abelhas, por exemplo, baixas doses de neonicoticoides podem torná-las mais suscetíveis a doenças virais.
Abelhas estão entre os principais afetados pelo uso de pesticidas (Irina Tischenko/Getty Images/iStockphoto/VEJA)
Postado em: 13, abr, 2016